tenho percebido que nos últimos anos, algo silencioso aconteceu com a nossa relação com o tempo.
quando começamos a usar aplicativos como o uber, passamos a medir a espera em minutos — quatro, cinco, sete — como se fossem distâncias gigantes. minutos que antes nem seriam percebidos, hoje são vividos como demora absurda.

e, então, aquilo que sempre foi parte natural da vida cotidiana — esperar um ônibus, caminhar até o ponto, fazer o trajeto parando, observando, permitindo que o tempo nos carregasse — passou a parecer insuportavelmente lento.
o que antes era só o fluxo normal do dia virou incômodo, desperdício, atraso.

para evitar esse desconforto, sacrificamos renda, antecipamos horários, mudamos rotinas. não por necessidade, mas porque já não suportamos mais o ato simples de esperar. esse deslocamento tão nítido no cotidiano revela algo mais profundo: desaprendemos a habitar o intervalo entre um ponto e outro.

e quando não aguentamos esperar 8 minutos, como lidamos com as esperas que realmente importam? como sustentamos o tempo da formação, do amadurecimento, do que precisa crescer devagar? se o ônibus já nos angustia, o que fazer com anos de estudo, processos longos, sonhos que exigem permanência?

porque o tempo da faculdade, por exemplo — o tempo de aprender, errar, amadurecer — passou a ser vivido como tortura. queremos o diploma antes do aprendizado, o emprego antes da jornada, o resultado antes do processo. não suportamos mais o próprio ritmo da vida.

como eu disse em um post no instagram, esperar é exercitar a presença no meio da falta. a existência não se revela na velocidade do nosso anseio, mas no modo como deixamos o vivido se desdobrar e é nesse tempo que ganha corpo e sentido.

esperar não é passividade, não é deixar de de agir. é na verdade uma postura ativa e de sustentação: suportar a angustia do “não ainda”, habitar o vazio entre o desejo e a realização, permanecer íntegra mesmo quando nada parece acontecer. é o trabalho silencioso de não fugir do h i a t o.

a espera nos devolve ao essencial — ao que não pode ser apressado sem ser interrompido.
quando abolimos a espera, perdemos a capacidade de estar no tempo. confundimos urgência com intensidade, ausência com fracasso, desejo com imediatismo.
e então, o que resta de nós?
quem nos tornamos quando não suportamos mais aquilo que leva tempo para ser?

o que se dissolve em nós quando evitamos o intervalo que também nos constitui?
que versões de nós mesmas estamos sacrificando quando transformamos todo desejo em urgência?
como reconhecer a própria alma se já não sabemos acompanhar seu ritmo?


reaprender a esperar é voltar a habitar o tempo.
é permitir que o que precisa maturar, amadureça.
é lembrar que o sentido não está apenas no ponto de chegada, mas no caminho que nos transforma enquanto caminhamos.

a pergunta é: você ainda sabe esperar o que é seu ou está tentando alcançar à força aquilo que só chegaria se você parasse para recebê-lo?